quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Energia a serviço de quem?

Por Adriano Benayon


O preço do barril de petróleo bruto triplicou em menos de três anos. Está em torno de US$ 60,00. Analistas avisados prevêem escalada para um múltiplo desse valor. Engdahl e Roberts esperam US$ 100,00 por barril, antes de 2010, e há prognósticos acima de US$ 300,00 dentro dos próximos 10 anos.


A curva do consumo prossegue em ascensão, e a da descoberta de novas jazidas em declínio. O problema, portanto, não é só econômico. É estratégico, pois haverá colapso energético, quando a produção de petróleo não mais atender parte substancial da procura global.
Por isso, países consumidores prodigalizam subsídios para promover energias renováveis. Por um paradoxo que só o modelo econômico do Brasil explica, nossa produção de óleos vegetais não chega a 1% da realizada pela Alemanha, cujos recursos naturais são infinitamente menos favoráveis.
De qualquer forma, a inigualável combinação, existente no Brasil, de terras utilizáveis, água e dias de sol tropical por ano, levará a explorar nele d a biomassa indispensável para suprir grande parte da demanda mundial de energia. Corporações transnacionais sabem que produzir no Brasil e exportar derivados da biomassa é a saída para escapar ao colapso e para obter elevados ganhos, graças aos altos rendimentos e ao baixo custo das matérias-primas aqui cultiváveis.
Em suma, a questão não é fazer ou não fazer um programa de produção de biomassa em grande escala. A questão é: solução, mas para quem? Quem vai fazer, ou, antes, quem vai comandar esse programa.
Salvo óbices políticos, nada impede o Brasil de produzir por ano, ao fim de 10 anos, 30 bilhões de litros de etanol e 45 bilhões de litros de biodiesel - o que supera o atual consumo interno de gasolina, álcool e óleo diesel. Os investimentos requeridos são modestos: R$ 4 bilhões por ano. Uma bagatela para um país em que a formação bruta de capital fixo passa de R$ 300 bilhões anuais, e cujo Tesouro Nacional mantém inúteis no Banco Central R$ 235 bilhões, só para dizer aos beneficiários das taxas de juros mais altas do mundo que fiquem tranqüilos.

Contexto socioeconômico

O modo pelo qual será realizado o programa da biomassa determinará a futura condição do Brasil: uma sociedade próspera, se adotar o desenvolvimento autônomo, ou um mega-Haiti, se investidores não-residentes assumirem o controle da produção e da comercialização.
Foi ruim a partida para essa corrida, dada há muito tempo, e o Brasil precisa mudar de atitude, se ainda quiser ter alguma chance. O País facilitou e subsidiou a apropriação por capitais forâneos do principal dos meios de produção e do grosso dos bancos, a ponto de tornar inusitada no Brasil a figura do executivo não subordinado a uma empresa transnacional. Poucos setores são exceção a esse respeito.
A submissão irrestrita à globalização foi sinalizada pela adesão, em 1995, à Organização Mundial do Comércio, seguida das emendas à ordem econômica da Constituição. Daí, a legislação brasileira foi banindo a possibilidade de o Estado intervir no domínio econômico em favor da sociedade. Agora só intervém para decretar as taxas de juros mais altas do Mundo, o que não decorre do mercado. Nem mesmo sendo esse mercado oligopolizado por grandes bancos.
Enquanto o culto à globalização for religião oficial, e o mercado divindade intocável, não será possível ao Brasil assentar sua economia em bases sólidas, com a biomassa ou com qualquer outra indústria. Sob essa religião não há como: 1) impedir a morte no ovo de tudo que se poderia tornar grande empresa produtiva; 2) criar as condições socioeconômicas para que o desenvolvimento possa ocorrer.
O quadro político-institucional não tolera que o governo impeça a compra de empresas de capital local por transnacionais. Inúmeras firmas brasileiras, até pequenas, mas inovadoras, têm sido adquiridas por corporações mundiais, por ser irresistível a pressão para vender. Primeiro, porque a demanda interna é fraca, em função da míngua de investimentos no País, tributário, desde 1982, do serviço da dívida pública, inflada pela dinâmica dos juros compostos. Segundo, porque os juros são proibitivos, e os tributos, dilapidados no serviço da dívida.
Assim, empresários aceitam a troca de valiosos ativos reais e intangíveis por moedas inflacionadas. Pior que índios trocando terras por espelhinhos! O dólar vem sendo aviltado, não só por emissões do Tesouro dos EUA para cobrir colossais déficits de conta corrente, mas, ainda mais, para sustentar a proliferação de ganhos financeiros mal lastreados, como os dos derivativos. Embora com data incerta, é evento certo a queda do dólar para fração mínima de seu valor presente.

Recursos naturais e trabalho

Entrar com uma coisa ou entrar com a outra faz diferença vital. Condena-se ao subdesenvolvimento todo país que não comanda sua produção, por meio do capital e da tecnologia. E, mesmo que, de início, tenha esse comando, termina por perdê-lo, se a comercialização e o financiamento ficam a cargo de centros estrangeiros. Em sua obra clássica, Civilisation Matérielle, Économie et Capitalisme, Braudel fala da Polônia, país que se tornou, no Século XVIII, fornecedor de cereais para o mercado europeu, controlado por mercadores holandeses. O declínio resultante foi tal, que a Polônia reinstituiu o regime de servidão, antes abolido.
Situação semelhante se dá aqui e hoje, quando se apela para reduzir o "custo-Brasil", uma senha para a eliminação dos direitos trabalhistas. As exportações baseadas em baixos custos de mão-de-obra é receita segura para a piora das condições econômicas e sociais. Quem atribui a essas exportações o crescimento do PIB chinês, ignora que esse se deve, em primeiro lugar, a investimentos públicos nas infra-estruturas econômica e social e, em segundo, a indústrias locais intensivas de tecnologia.
Confirmando, contrario sensu, a lição sobre a Polônia, a Dinamarca, na 2ª metade do Século XIX, viu-se alijada do mercado mundial de bens agrários com a entrada de novos produtores dotados de extensas terras férteis (EUA, Austrália, Argentina). Na ótica do agronegócio, isso seria ruim. Não foi. A perda desse mercado levou a Dinamarca a diversificar sua economia com capital nacional, construindo máquinas e tecnologia para aproveitar suas modestas matérias-primas. Foi o ponto de partida para o desenvolvimento.
Em suma, se brasileiros não controlarem a produção e o comércio da biomassa, esta se somará a outros setores do agronegócio e à extração mineral como mais um a desperdiçar recursos naturais sem proveito para o capital nacional nem para o trabalho. A quem tiver preconceito contra o primeiro, deve-se lembrar que, se ele não se acumular no País, não haverá nem investimentos nem empregos decentes para os brasileiros.
Exemplos gritantes são o nióbio e o quartzo, minérios cuja oferta mundial está quase toda no Brasil, e em relação aos quais: 1) o preço oficial de exportação do minério é uma ínfima fração do preço no exterior, já de si subavaliado; 2) as quantidades que figuram na estatística são pequena fração do consumo aparente mundial; 3) as matérias-primas são processadas e transformadas no exterior, havendo aí imensa agregação de valor, desproporcional aos custos dessas operações.
É de tal ordem de grandeza a dilapidação dos recursos naturais do País, que a receita das subfaturadas exportações brasileiras supera a das importações, malgrado o superfaturamento destas. Esse é o caminho do Haiti, que muita gente imagina ter sido sempre pobre. Grande engano.
Derrotada em batalhas ultramarinas, a França foi posta, durante a negociação do tratado de paz, em 1763, na contingência de perder ou o Haiti ou o Québec (Canadá). Fez a escolha natural: ficou com o Haiti, rica colônia exportadora de produtos tropicais. Também os bolivianos sabem hoje que, do Eldorado da prata de Potosi, do Século XVII, não restaram senão buracos em suas montanhas.
O declínio do Brasil foi desencadeado por dois processos interligados - e intensos de 1955 a 1975 -, a desnacionalização e o aumento do grau de concentração. Estudo de Newfarmer e Mueller para a Comissão de Assuntos Estrangeiros do Senado dos EUA, publicado em 1975, constatava, já na primeira metade dos anos 70, a estrutura oligopolista do grosso da indústria e seu controle por empresas multinacionais.
Esses processos radicalizaram-se com as privatizações dos anos 90 e não são estranhos ao serviço da dívida. Tudo resultou na estagnação econômica e no desastre das condições sociais. A participação dos salários no PIB caiu de 60% em 1964 para 30% em 2005.

Eldorado da biomassa

A biomassa pode trazer as vantagens de um verdadeiro Eldorado. No estado atual da técnica são possíveis preços de produtor dos combustíveis de biomassa inferiores em, pelo menos, R$ 0,50 aos dos derivados de petróleo. A vantagem da biomassa independe, pois, de subsídios. Além disso, seu uso fará elevar as exportações de petróleo e a taxa de conservação deste.
Os ganhos crescerão com a tecnologia a ser desenvolvida com a produção, embora já haja rendimentos excelentes: a cana-de-açúcar e a mandioca, com de 6.000 litros por hectare/ano ou mais. No caso dos óleos, o dendê, com 6.000 litros e os pinhões, 3.000 litros ha./ano.
Completada a substituição, em 10 anos, far-se-á economia, no 10º ano, de, no mínimo, R$ 37,5 bilhões, além da acumulada nesses 10 anos, de mais de R$ 200 bilhões. Esses formidáveis valores crescerão em função do aumento dos preços do petróleo. Os subprodutos da biomassa valem outro tanto: a) da cana-de-açúcar: o bagaço, o vinhoto, as folhas, a palha; b) das oleaginosas: o farelo, proteína para alimentação animal.
Os investimentos totais nas culturas e na indústria da biomassa exigem, no máximo, R$ 4 bilhões por ano, o que implica rentabilidade altíssima, atraente para o setor privado. Essa quantia é apenas 1,3% do investimento de capital fixo feito no País, onde, de resto, se desperdiçam mais de R$ 200 bilhões/ano no excesso das taxas de juros.
É modesto o custo da conversão de motores para combustíveis de origem vegetal, e os ganhos para o consumidor crescem com o pleno aproveitamento da octanagem do álcool, da qual cerca de 35% se perdem no esquema flexfuel.

Empregos, empregos

A produção de biomassa é intensiva de trabalho, enquanto a do petróleo o é de capital. O que toca ao trabalho do valor agregado pela Petrobrás não passa de 7,5%. Além disso, serão criados empregos para quadros qualificados, na pesquisa de espécies e modos de cultivo, bem como nos processos de transformação industrial e novos usos.
Há, ainda, o novo campo da alcoolquímica e da bioquímica das oleaginosas. A coleta dessas últimas não comporta mecanização e sua expansão exigirá área quatro vêzes maior que a usada para a cana-de-açúcar e o etanol, segmento que, só no Estado de São Paulo, emprega 400 mil trabalhadores organizados e ocupa menos de 3 milhões de hectares.
Dobrando-se a área, no caso do etanol, o incremento nos empregos é de 400 mil. Para as oleaginosas, são 1,2 milhões, multiplicados por 1,5 (dada a maior intensividade de mão-de-obra). Isso resulta em 1,8 milhões de empregos nos óleos e 2,2 milhões no total. Estimando-se três empregos indiretos para um cada um desses, são 8,8 milhões, o suficiente para eliminar quase todo o desemprego computado nas estatísticas oficiais.

"Meio ambiente"

Além da captação do CO2, as culturas da biomassa trarão benefícios ao meio-ambiente e à saúde, em função de seu efeito sobre a cobertura vegetal de extensas áreas. As áreas preservadas ou reflorestadas pelo plantio de árvores oleaginosas serão um múltiplo das ocupadas pelas lavouras de cana-de-açúcar e de mandioca.
Mais notável, os subprodutos permitirão recuperar cerca de metade das terras desmatadas para pastagens, as quais ocupam área cinco vezes maior que a de todas as lavouras. Poder-se-iam, assim, reflorestar 40% das áreas de pastagens, ou seja, 100 milhões de ha.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Agora, toda água do mundo

Por Rui Nogueira - Médico, escritor e teatrólogo


Atualmente há cinco corporações transnacionais atuando em todo o mundo, objetivando transformar água em mercadoria. Observem que mesmo nos restaurantes, ao se fazer uma refeição, não há nas mesas, como a alguns anos, a jarra com água para beber. Somos induzidos a comprar a água engarrafada.
Até nos domicílios, há toda uma propaganda para se usar garrafões de água, desprezando a água da rede pública que pode e deve ser de qualidade. Água transportada em navios tanque e vendida em garrafas, algo semelhante ao que hoje acontece com o petróleo, rigidamente controlado por poucas corporações. Mas há um aspecto muito importante. O lucro com a água pode ser extraordinariamente alto. Um litro de água R$ 1,00, um litro de gasolina R$ 2,00. Agora comparem: a pesquisa, sondagem, prospecção, exploração, transporte, refino, distribuição do petróleo é muito mais complexa e evidentemente mais cara do que a de água. Para tornar uma área em um campo produtivo de petróleo, há, em geral, vinte anos de investimento e trabalho. As fontes de água estão aí jorrando com alta qualidade, pronta para o consumo. É só engarrafá-la. Será que isto é caro? Vejam o absurdo que está acontecendo: no rótulo da Nestlé está escrito Societé des Products Nestlé S.A. Vevey Suíça. Proprietária das marcas, portanto detém os direitos de seu uso.



O controle dos mananciais


Quando você bebe esta água, está pagando pelo direito de propriedade de uma água no país com a maior reserva de água do mundo! E tem mais: a venda de água e o uso da marca dão muito lucro e todo ele necessita ser transformado em dólares quando destinado ao exterior. Sendo assim, o Brasil tem que adquirir dólares para disponibilizá-los e se dirigirem às matrizes das transnacionais. Vai vender minérios a preço vil ou então fazer empréstimos a juros altíssimos para haver os dólares.
A entrada das transnacionais no controle dos mananciais está se dando de maneira inteiramente predatória. O Movimento Cidadania pelas Águas revela que a Empresa de Águas São Lourenço, detentora do Manifesto de Mina nº 140/35, foi comprada pela Nestlé na década de 90. O maior patrimônio de São Lourenço, suas águas, passou a ser tratado sem qualquer outro critério, senão que o da exploração predatória.



As demais águas estão perdendo o sabor


O poço Primavera tem uma das águas mais mineralizadas do país, e ela está sendo extraída intensamente, sendo desmineralizada para se converter na tal água purificada adicionada de sais. Isto poderia ser feito com qualquer água. Mas têm os minerais que são retirados dessa água. Quilos de lítio, por exemplo, seriam jogados fora?O surpreendente foi ver representantes do Estado nas audiências públicas atuando como advogados da Nestlé. Estas empresas e todos que são cooptados para facilitar a sua ação pautam a sua existência numa regra em que o dinheiro deixou de ser a representação das riquezas como representação do valor para ser a própria “riqueza”. Neste pensamento não há nenhuma ética nem se respeitam os valores e os interesses da sociedade — há uma maneira de ganhar dinheiro e os beneficiários não admitem nenhuma interferência.Vejam o exemplo dos grandes traficantes. Eles sabem de todos os males das drogas, mas defendem até com armas a sua maneira de ganhar dinheiro. Em toda a história, as maiores corporações transnacionais demonstraram não ter nenhum escrúpulo na sua busca por lucros.Não podemos deixar um bem essencial para a vida cair em suas mãos. Já existem empresas estrangeiras doutrinando serviço público de água com privatização. Será possível aceitar que a água que eu tenho que beber seja fonte de lucros abusivos para remeter para o exterior? Daqui a pouco só poderá beber água quem tiver dinheiro para pagá-la. Vamos ter o programa Sede Zero ?Reaja! Divulgue este texto! Não compre produtos destas empresas transnacionais. Principalmente águas. Esta é uma maneira legítima de reagir.



Água – uma dádiva

Um bem fundamental para a vida, pode ser transformada em mercadoria?


Dois átomos de Hidrogênio, um de Oxigênio. Estrutura tão simples, mas tão fundamental — sem ela não há vida.Em quantas situações, na vida, podemos sentir o que é a água! A beleza das águas cristalinas correndo entre as pedras de um rio. O mar límpido com os peixes visíveis nadando e vivendo. A sensação tão gostosa de um banho, com a água renovando as forças e trazendo toda uma sensação de bem-estar quando estamos suarentos pelas caminhadas. A boca seca e vem o copo de água fresquinha... A água que ocupa boa parte da Terra e que nem sempre pode ser bebida. Para a sede, a renovação da vida, a fisiologia humana, o preparo dos alimentos, o lavar — o que fazer sem a água? É tão importante que temos o dito popular: “a água lava tudo.”A água é um bem do ser humano. O médico é bem consciente disto, pois a primeira coisa que examina no seu paciente é o estado de hidratação.Sempre pensamos na água para beber, mas devemos nos lembrar de que não há plantação sem água e, portanto, não há produção de alimentos sem a água. É justo haver um dono das águas? Seria o ideal alguém, ou um pequeno grupo lucrar com a necessidade fundamental de água? É um sonho dantesco imaginar legiões de homens sedentos, precisando de água para o seu uso, serem explorados por “donos de água”. Pior quando os controles estão distantes e há o pensamento de ser o dinheiro a própria riqueza.A solução ideal é a brasileira, com os sistemas de água estatizados — não há objetivo de lucro, não há privilégio para nenhum grupo. E, se algum grupo político aumentar os empregos no setor, ótimo. São mais famílias que têm como criar seus filhos dignamente.Oh, amigo! Pense um pouco. Temos no Brasil a maior reserva de água potável (pronta para beber) do mundo. Será justo pegarem a nossa maravilhosa água, fazerem uma destilação, acrescentarem dois ou três tipos de sais artificialmente e patentearem a fórmula? E, para bebê-la, temos que pagar direitos que são remetidos para o exterior! É um despropósito com o que temos, que nos foi dado pela natureza. É uma agressão ao nosso trabalho! A água é uma dádiva que não pode ser objeto de exploração por nenhum grupo financeiro!Cada vez mais estamos cercados por um sistema industrializado controlando a água que vamos beber. Estão transformando água, um bem fundamental para a vida, em uma mercadoria. Isso é inadmissível.Você pode fazer muita coisa para preservar a nossa água nas mãos dos brasileiros.