Por Adriano Benayon
O preço do barril de petróleo bruto triplicou em menos de três anos. Está em torno de US$ 60,00. Analistas avisados prevêem escalada para um múltiplo desse valor. Engdahl e Roberts esperam US$ 100,00 por barril, antes de 2010, e há prognósticos acima de US$ 300,00 dentro dos próximos 10 anos.
A curva do consumo prossegue em ascensão, e a da descoberta de novas jazidas em declínio. O problema, portanto, não é só econômico. É estratégico, pois haverá colapso energético, quando a produção de petróleo não mais atender parte substancial da procura global.
Por isso, países consumidores prodigalizam subsídios para promover energias renováveis. Por um paradoxo que só o modelo econômico do Brasil explica, nossa produção de óleos vegetais não chega a 1% da realizada pela Alemanha, cujos recursos naturais são infinitamente menos favoráveis.
De qualquer forma, a inigualável combinação, existente no Brasil, de terras utilizáveis, água e dias de sol tropical por ano, levará a explorar nele d a biomassa indispensável para suprir grande parte da demanda mundial de energia. Corporações transnacionais sabem que produzir no Brasil e exportar derivados da biomassa é a saída para escapar ao colapso e para obter elevados ganhos, graças aos altos rendimentos e ao baixo custo das matérias-primas aqui cultiváveis.
Em suma, a questão não é fazer ou não fazer um programa de produção de biomassa em grande escala. A questão é: solução, mas para quem? Quem vai fazer, ou, antes, quem vai comandar esse programa.
Salvo óbices políticos, nada impede o Brasil de produzir por ano, ao fim de 10 anos, 30 bilhões de litros de etanol e 45 bilhões de litros de biodiesel - o que supera o atual consumo interno de gasolina, álcool e óleo diesel. Os investimentos requeridos são modestos: R$ 4 bilhões por ano. Uma bagatela para um país em que a formação bruta de capital fixo passa de R$ 300 bilhões anuais, e cujo Tesouro Nacional mantém inúteis no Banco Central R$ 235 bilhões, só para dizer aos beneficiários das taxas de juros mais altas do mundo que fiquem tranqüilos.
Contexto socioeconômico
O modo pelo qual será realizado o programa da biomassa determinará a futura condição do Brasil: uma sociedade próspera, se adotar o desenvolvimento autônomo, ou um mega-Haiti, se investidores não-residentes assumirem o controle da produção e da comercialização.
Foi ruim a partida para essa corrida, dada há muito tempo, e o Brasil precisa mudar de atitude, se ainda quiser ter alguma chance. O País facilitou e subsidiou a apropriação por capitais forâneos do principal dos meios de produção e do grosso dos bancos, a ponto de tornar inusitada no Brasil a figura do executivo não subordinado a uma empresa transnacional. Poucos setores são exceção a esse respeito.
A submissão irrestrita à globalização foi sinalizada pela adesão, em 1995, à Organização Mundial do Comércio, seguida das emendas à ordem econômica da Constituição. Daí, a legislação brasileira foi banindo a possibilidade de o Estado intervir no domínio econômico em favor da sociedade. Agora só intervém para decretar as taxas de juros mais altas do Mundo, o que não decorre do mercado. Nem mesmo sendo esse mercado oligopolizado por grandes bancos.
Enquanto o culto à globalização for religião oficial, e o mercado divindade intocável, não será possível ao Brasil assentar sua economia em bases sólidas, com a biomassa ou com qualquer outra indústria. Sob essa religião não há como: 1) impedir a morte no ovo de tudo que se poderia tornar grande empresa produtiva; 2) criar as condições socioeconômicas para que o desenvolvimento possa ocorrer.
O quadro político-institucional não tolera que o governo impeça a compra de empresas de capital local por transnacionais. Inúmeras firmas brasileiras, até pequenas, mas inovadoras, têm sido adquiridas por corporações mundiais, por ser irresistível a pressão para vender. Primeiro, porque a demanda interna é fraca, em função da míngua de investimentos no País, tributário, desde 1982, do serviço da dívida pública, inflada pela dinâmica dos juros compostos. Segundo, porque os juros são proibitivos, e os tributos, dilapidados no serviço da dívida.
Assim, empresários aceitam a troca de valiosos ativos reais e intangíveis por moedas inflacionadas. Pior que índios trocando terras por espelhinhos! O dólar vem sendo aviltado, não só por emissões do Tesouro dos EUA para cobrir colossais déficits de conta corrente, mas, ainda mais, para sustentar a proliferação de ganhos financeiros mal lastreados, como os dos derivativos. Embora com data incerta, é evento certo a queda do dólar para fração mínima de seu valor presente.
Recursos naturais e trabalho
Entrar com uma coisa ou entrar com a outra faz diferença vital. Condena-se ao subdesenvolvimento todo país que não comanda sua produção, por meio do capital e da tecnologia. E, mesmo que, de início, tenha esse comando, termina por perdê-lo, se a comercialização e o financiamento ficam a cargo de centros estrangeiros. Em sua obra clássica, Civilisation Matérielle, Économie et Capitalisme, Braudel fala da Polônia, país que se tornou, no Século XVIII, fornecedor de cereais para o mercado europeu, controlado por mercadores holandeses. O declínio resultante foi tal, que a Polônia reinstituiu o regime de servidão, antes abolido.
Situação semelhante se dá aqui e hoje, quando se apela para reduzir o "custo-Brasil", uma senha para a eliminação dos direitos trabalhistas. As exportações baseadas em baixos custos de mão-de-obra é receita segura para a piora das condições econômicas e sociais. Quem atribui a essas exportações o crescimento do PIB chinês, ignora que esse se deve, em primeiro lugar, a investimentos públicos nas infra-estruturas econômica e social e, em segundo, a indústrias locais intensivas de tecnologia.
Confirmando, contrario sensu, a lição sobre a Polônia, a Dinamarca, na 2ª metade do Século XIX, viu-se alijada do mercado mundial de bens agrários com a entrada de novos produtores dotados de extensas terras férteis (EUA, Austrália, Argentina). Na ótica do agronegócio, isso seria ruim. Não foi. A perda desse mercado levou a Dinamarca a diversificar sua economia com capital nacional, construindo máquinas e tecnologia para aproveitar suas modestas matérias-primas. Foi o ponto de partida para o desenvolvimento.
Em suma, se brasileiros não controlarem a produção e o comércio da biomassa, esta se somará a outros setores do agronegócio e à extração mineral como mais um a desperdiçar recursos naturais sem proveito para o capital nacional nem para o trabalho. A quem tiver preconceito contra o primeiro, deve-se lembrar que, se ele não se acumular no País, não haverá nem investimentos nem empregos decentes para os brasileiros.
Exemplos gritantes são o nióbio e o quartzo, minérios cuja oferta mundial está quase toda no Brasil, e em relação aos quais: 1) o preço oficial de exportação do minério é uma ínfima fração do preço no exterior, já de si subavaliado; 2) as quantidades que figuram na estatística são pequena fração do consumo aparente mundial; 3) as matérias-primas são processadas e transformadas no exterior, havendo aí imensa agregação de valor, desproporcional aos custos dessas operações.
É de tal ordem de grandeza a dilapidação dos recursos naturais do País, que a receita das subfaturadas exportações brasileiras supera a das importações, malgrado o superfaturamento destas. Esse é o caminho do Haiti, que muita gente imagina ter sido sempre pobre. Grande engano.
Derrotada em batalhas ultramarinas, a França foi posta, durante a negociação do tratado de paz, em 1763, na contingência de perder ou o Haiti ou o Québec (Canadá). Fez a escolha natural: ficou com o Haiti, rica colônia exportadora de produtos tropicais. Também os bolivianos sabem hoje que, do Eldorado da prata de Potosi, do Século XVII, não restaram senão buracos em suas montanhas.
O declínio do Brasil foi desencadeado por dois processos interligados - e intensos de 1955 a 1975 -, a desnacionalização e o aumento do grau de concentração. Estudo de Newfarmer e Mueller para a Comissão de Assuntos Estrangeiros do Senado dos EUA, publicado em 1975, constatava, já na primeira metade dos anos 70, a estrutura oligopolista do grosso da indústria e seu controle por empresas multinacionais.
Esses processos radicalizaram-se com as privatizações dos anos 90 e não são estranhos ao serviço da dívida. Tudo resultou na estagnação econômica e no desastre das condições sociais. A participação dos salários no PIB caiu de 60% em 1964 para 30% em 2005.
Eldorado da biomassa
A biomassa pode trazer as vantagens de um verdadeiro Eldorado. No estado atual da técnica são possíveis preços de produtor dos combustíveis de biomassa inferiores em, pelo menos, R$ 0,50 aos dos derivados de petróleo. A vantagem da biomassa independe, pois, de subsídios. Além disso, seu uso fará elevar as exportações de petróleo e a taxa de conservação deste.
Os ganhos crescerão com a tecnologia a ser desenvolvida com a produção, embora já haja rendimentos excelentes: a cana-de-açúcar e a mandioca, com de 6.000 litros por hectare/ano ou mais. No caso dos óleos, o dendê, com 6.000 litros e os pinhões, 3.000 litros ha./ano.
Completada a substituição, em 10 anos, far-se-á economia, no 10º ano, de, no mínimo, R$ 37,5 bilhões, além da acumulada nesses 10 anos, de mais de R$ 200 bilhões. Esses formidáveis valores crescerão em função do aumento dos preços do petróleo. Os subprodutos da biomassa valem outro tanto: a) da cana-de-açúcar: o bagaço, o vinhoto, as folhas, a palha; b) das oleaginosas: o farelo, proteína para alimentação animal.
Os investimentos totais nas culturas e na indústria da biomassa exigem, no máximo, R$ 4 bilhões por ano, o que implica rentabilidade altíssima, atraente para o setor privado. Essa quantia é apenas 1,3% do investimento de capital fixo feito no País, onde, de resto, se desperdiçam mais de R$ 200 bilhões/ano no excesso das taxas de juros.
É modesto o custo da conversão de motores para combustíveis de origem vegetal, e os ganhos para o consumidor crescem com o pleno aproveitamento da octanagem do álcool, da qual cerca de 35% se perdem no esquema flexfuel.
Empregos, empregos
A produção de biomassa é intensiva de trabalho, enquanto a do petróleo o é de capital. O que toca ao trabalho do valor agregado pela Petrobrás não passa de 7,5%. Além disso, serão criados empregos para quadros qualificados, na pesquisa de espécies e modos de cultivo, bem como nos processos de transformação industrial e novos usos.
Há, ainda, o novo campo da alcoolquímica e da bioquímica das oleaginosas. A coleta dessas últimas não comporta mecanização e sua expansão exigirá área quatro vêzes maior que a usada para a cana-de-açúcar e o etanol, segmento que, só no Estado de São Paulo, emprega 400 mil trabalhadores organizados e ocupa menos de 3 milhões de hectares.
Dobrando-se a área, no caso do etanol, o incremento nos empregos é de 400 mil. Para as oleaginosas, são 1,2 milhões, multiplicados por 1,5 (dada a maior intensividade de mão-de-obra). Isso resulta em 1,8 milhões de empregos nos óleos e 2,2 milhões no total. Estimando-se três empregos indiretos para um cada um desses, são 8,8 milhões, o suficiente para eliminar quase todo o desemprego computado nas estatísticas oficiais.
"Meio ambiente"
Além da captação do CO2, as culturas da biomassa trarão benefícios ao meio-ambiente e à saúde, em função de seu efeito sobre a cobertura vegetal de extensas áreas. As áreas preservadas ou reflorestadas pelo plantio de árvores oleaginosas serão um múltiplo das ocupadas pelas lavouras de cana-de-açúcar e de mandioca.
Mais notável, os subprodutos permitirão recuperar cerca de metade das terras desmatadas para pastagens, as quais ocupam área cinco vezes maior que a de todas as lavouras. Poder-se-iam, assim, reflorestar 40% das áreas de pastagens, ou seja, 100 milhões de ha.